sexta-feira, outubro 30, 2009

assim é que é (*)

Afora o prazer melancólico de ver o que Michael Jackson estava preparando quando não sabia que daqui a pouco ia morrer, o semifilme "This Is It" deixa um travo forte na garganta. Testemunhamos ali não apenas a pré-morte de MJ. Estamos diante de algo ainda mais amplo, a falência do pop star.

É sintomático que, para faturar dinheiro com a morte do ídolo black'n'white, seu "imaculado" espólio tenha tido de desmontá-lo, de mostrar detrás das cortinas como é que se ergue o projeto mastodôntico de um "megashow" (este termo esteve tão em voga anos atrás, não é mesmo?), de um devaneio planetário de música pop. É uma delícia (melancólica) de assistir, mas não é algo que a indústria do entretenimento fornecesse a seus consumidores até pouco tempo atrás.

O que Michael mostra o tempo todo naquela tela além-túmulo é que o estrelato pop é, por excelência, um regime autoritário. Na seleção e liderança dos bailarinos, no trato com os músicos, na decisão sobre qual acorde elegerá a cada momento, na necessidade obsessiva de fazer parecer que sabe exatamente o que quer a cada acorde, na bajulação de todos ao redor, no comando da massa (essa parte que não chegou a acontecer), em tudo, enfim, o solitário pop star tem de se segurar na pose de um autoritário sorridente, de um déspota esclarecido, de um bem-amado.

Michael ainda disfarça timidamente, completando que é "com amor" cada bronca dirigida a sua senzala particular. Mas não é à toa que a certa altura o diretor, ao mesmo tempo mandão e submisso, se dá conta de que aquilo tudo ali é um templo, um "templo do rock'n'roll". O projeto autoritário precisa de seguidores, fãs, fanáticos, staff, escravos, o que seja, para se concretizar.

Desde o princípio (de seu desaparecimento) eu achei que a morte de MJ estava ligada tanto à tão propalada crise global do capitalismo, bem como à eleição de Obama Bin Laden, quero dizer, de Barack Obama para a presidência lá do país deles.

MJ sempre advogou a fusão funk'n'roll e black'n'white (no show "This Is It", isso seria brilhantemente reiterado no duelo de guitarras de "Black or White", entre um negão e uma loirinha). Mas, diante da posse de um presidente negro (com raízes não só africanas como muçulmanas), o mundo - ou melhor, o mundo EUA - de repente ficou pequeno demais para abrigar, de uma vez só, o "this is it" e o "yes, we can".

Michael disse "no, I can't", e se pirulitou, forévis.

Mas isso é perfumaria, o lance mesmo é a tal crise global do capitalismo - ou seja, a decadência do autoritarismo-patriarcado-patrimonialismo corporificado em "sucesso", sempre reproduzido à imagem e semelhança pela música pop como (ainda) a conhecemos, capitalista até o osso. Conforme ventos libertários sopram mundo afora, pelo "Terceiro Mundo", pela América Latina, pela internet e alhures, não é exatamente a grana, mas antes o autoritarismo que entra em formidável parafuso.

Os tempos são de estiagem para tudo que se ligue diretamente ao exercício do poderio (mais ou menos disfarçadamente) autoritário - o "Primeiro Mundo" e os Estados Unidos, o mundo mais "rico" (e a Oscar Freire), o jornalismo norte-americano (e o brasileiro) tipo Fox, o controle católico, o conservadorismo, os pop stars inseguros que precisam em todos os minutos fingir gozar de domínio completo sobre si próprios, sobre seu séquito-multidão, sobre o mundo, sobre tudo.

MJ sofreu demais a vida inteira. Era desde pequeno, ele próprio, um escravo - primeiro de seu pai-patrão, a seguir do sucesso e de fãs-patrões (e por - muitas - vezes detratores) igualmente autoritários, depois do exército de sanguessugas profissionais, sempre de sua própria e dramática dependência em relação a tudo e todos (aqui dentro) e ao exu capitalista (lá fora).

Mas o xis da questão é que o autoritarismo pop que o vitimou quando era menino-tweeter-adolescente e que sempre exerceu após se tornar adulto-marca-Peter-Pan (embora o fizesse de modo doce e cativante, como dá a entender "This Is It") não era papo para ele, simples assim.

Daí as deformações, a inadaptação, a autoimagem ET, a violência (não-)sexual, a briga infinda com o mundo, a vontade de voltar ao útero, o isolamento, a solidão, a falência em diversos campos.

Bastou o capitalismo à la EUA entrar em colapso. A primeira coisa relevante a acontecer (ou melhor, a segunda, pois antes houve as Torres Gêmeas) foi Michael Jackson evanescer. Sempre preocupado em salvar o Planet Earth, o plebeu MJ acabou por entregar o pescoço em prol da mais nobre das causas: o assassinato do autoritarismo (o dos outros e o seu).


P.S.: Não pode ser coincidência a sequência macabra de trailers que tive de assistir antes de chegar ao "espetáculo principal" da antessala da morte de Michael Jackson. Primeiro, um filme de terror em que todos os personagens são violentamente assassinatos, sob o slogan "nunca a morte esteve tão perto". A seguir, o "novo" filme do cara que fez um filme sobre o fim do mundo e que desta vez resolveu abordar o... fim do mundo. Dizem as tábuas que o mundo terminará em 2012, e pelo que entendi no "filmaço" um vulcão interno (um vulcão interno, me entenda bem) come a Terra de dentro para fora (não há de ter as iniciais MJ o vulcão, há?). Palácios caem por terra, monumentos mundiais desmoronam, até o Cristo Redentor carioca (que não me lembro de ter visto antes no coração de Hollywood) vira fumacinha. São mesmo uns megalomaníacos, esses norte-hollywoodianos, e talvez fosse pedir demais que eles não confundissem o declínio da economia deles e o colapso do elefante decadente (aqui peço perdão a um dos meus artistas favoritos, de iniciais MJ) chamado Estados Unidos com a extinção do planeta inteiro. As coisas não são bem assim, queridos ianques.

(*) Se você der uma espiada no link que coloquei ali pelo meio do texto, verá que este texto poderia perfeitamente se chamar "a bola de neve é fogo".

terça-feira, outubro 27, 2009

todo dia o sol se deita...

Ainda não recobrei o fôlego das tantas coisas bonitas, coloridas, reveladoras e transformadoras vistas nos 13 dias passados na Amazônia paraense.

E fico aqui me debatendo de vontade bloqueada de falar sobre o assunto - bloqueada porque não acredito que palavras deem conta de traduzir o sentimento de pequenice (minha) e grandeza (do mundo), e vice-versa, que me acompanhou a cada piscada d'olhos no Pará. (Será por isso que a palavra "grande" e suas aparentadas voejaram tanto no show e no texto sobre o show do Erasmo, logo após a volta do Grão-Pará?). Pausa.

[Imagino que alguém do Norte brasileiro que porventura esteja lendo isto aqui vá me dizer que eu, sulista paranapaulistano, faço uma imagem idealizada do Grão-Pará. E sei que devo fazer mesmo, e que talvez eu não achasse Belém tão maravilhosa se vivesse em Belém. Mas olha, isso não importa, e eu até aposto que quem porventura esteja lendo este texto a partir de estados que não sejam São Paulo não me entenda muito bem se eu contar do inferno de morar aqui nesta cidade fascinante. Não sei se me entendem, por exemplo, se eu disser (e vou dizer) que esta aqui é uma cidade dura, lotada de gente sempre ocupada em ocultar sentimentos que não pertençam às famílias da raiva e do rancor e, pior, anacronicamente sequestrada por uns bolsões de uma classe dominante (econômica e intelectual, quero dizer) tosca, grotesca, ensimesmada, ignorante de doer. Mas então, voltando, creio que meu olhar idealizado por sobre o Grão-Pará seja confiável, sim, tanto quanto é desconfiável. E pára a pausa.]

O caso é dizer, depois das tantas palavras acima, que não tenho palavras pra refletir ou refratar o que senti pela Amazônia paraense. É por isso que, pra tentar contornar o buraco no estômago, fiquei com vontade de copiar aqui algumas das provas recolhidas pelo caminho, provas da tal grandeza apaixonante que me derrubou para sempre (forévis) o queixo.

No Pará, ganhei um dos maiores presentes que a terra e os meus olhos me deram na vida indeira: uma coleção estupenda, alucinante, mais formigante que folha de jambu, de pores-do-sol!

Vai daí que também os pores-do-sol são indescritíveis, insubstituíveis e irreproduzíveis (em São Paulo, eu vejo um deles, digamos, a cada 47 dias ou coisa parecida). Mas pelo menos eles são (quase) fotografáveis.

Bom-dia, senhor pôr-do-sol!

9 de outubro, baía do Guajará, Belém



10 de outubro, centro de Belém



11 de outubro, festa de aparelhagem (ops!, não é o pôr-do-sol!, confundem-se "as mariposa"...), Belém



12 de outubro, baía do Guajará, rumo à ilha do Marajó



13 de outubro, Soure, ilha do Marajó





14 de outubro, fazenda de búfalos, Soure, ilha do Marajó



15 de outubro, ilha do Marajó, no caminho de volta para Belém



16 de outubro (...e aqui começo a descobrir que estou apaixonado pelo pôr-do-sol...), praia fluvial de Alter do Chão, Santarém











17 de outubro, rio Tapajós/Floresta Nacional de Tapajós e, de volta, Alter do Chão, Santarém





18 de outubro, Alter do Chão, Santarém



19 de outubro, idem





20 de outubro, avião, de volta para São Paulo



(Por coincidência, o sol está se pondo outra vez bem agora, aqui em São Paulo. Mas, da minha janela e por detrás das nuvens, eu não estou vendo.)

domingo, outubro 25, 2009

a guitarra é uma mulher

Foi uma gigante surpresa o show único que Erasmo Carlos protagonizou cá em São Paulo na sexta-feira que passou, 23 de outubro de 2009. Nem foi exatamente Erasmo a surpresa, porque a grandeza dele é notória - quem sabe sabe, conhece bem, e aí não há em que se surpreender. Mas me surpreenderam, entre outros vários lampejos, a produção vistosa e sofisticada, a cenografia chique de doer, o azeite rock'n'roll da banda (com Dadi e os formidáveis garotos da banda - para mim desconhecida até então - Filhos da Judith), o roteiro mui inteligentemente alinhavado, o modo de apresentação das músicas mais novas, a volta ao repertório erasmocarliano do clássico "Panorama Ecológico" (1978).

O que não consiste em surpresa nenhuma, mas foi mais uma vez delicioso constatar, foram as sinalizações oferecidas pelo enorme e dulcíssimo artista, de que ele é, acima de tudo o mais, um cínico de marca maior.

O cinismo brotou todo florido, por exemplo, quando o velho band leader partiu para a inevitável menção ao ano comemorativo do inevitável Roberto Carlos. A banda se retirou (exceto o tecladista) e Erasmo, o grande, anunciou: ia agora prestar uma homenagem mínima, minúscula, singela, ao parceiro durante quase 50 anos.

Certeiro, remeteu-se ao pernambucano Luiz Gonzaga, o "rei do baião", para prestar tributo ao seu "rei" (público e) particular: citando "Boiadeiro" (1950, de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas), disse que sua homenagem "é pequenina, é miudinha, é quase nada/ mas não tem outra mais bonita no lugar". E começou.

Não vou me deter em interpretações desta vez, que eu já fiz isso vezes sem fim. Acho que basta reproduzir alguns extratos das canções que ele selecionou, na sequência que ele montou, em versão pot-pourri apenas de teclado, voz e imensa candura. Cito de memória, mas acredito que foi exatamente assim, ou quase: "Por que me arrasto aos seus pés?/ por que me dou tanto assim?/ e por que não peço em troca/ nada de volta pra mim?", em seguida "olha, você vive tão distante/ muito além do que eu posso ter", depois "eu te proponho/ nós nos amarmos/ nos entregarmos", então "vou me agarrar aos seus cabelos/ pra não cair do seu galope", adiante "não adianta nem tentar me esquecer/ durante muito tempo em sua vida eu vou viver", enfim "eu te amo, eu te amo, eu te amo" e "como é grande o meu amor por você". Depois não vem me dizer que EC não dialoga apaixonadamente com RC quando canta criações de RC & EC.

Depois do denso momento de homenagem, o show continuou, para bem mais à frente, chegar ao episódio máximo de inteligência, sensibilidade, afronta e - principalmente - cinismo. Fora do bloco-tributo, Erasmo apanhou mais uma canção do repertório do parceiro e trouxe ao mundo uma versão rock'n'roll ("Rock'n'roll" é o nome de seu mais novo CD e o mote tanto do disco como do show) de "Quero Que Vá Tudo pro Inferno" (1965), aquela que o rei posto não canta há décadas, ao que consta por aversão TOC à palavra "inferno". No moderníssimo telão de led ao fundo do palco, ardia uma enorme, infernal fogueira.

"Cê tá entendendo?", perguntaria Arnaldo Baptista. Grandissíssimo Erasmo Carlos.

p.s.: Apenas comecei a ler "Minha Fama de Mau", o livro autobiográfico do "tremendão". Li pouco até agora, mas foi o suficiente para já perceber que está lotado de perspicácia, talento e inteligência (não dava para ser diferente, tratando-se de quem se trata). Mas aproveito esta oportunidade para registrar que o show me ajudou a ver o que eu já tinha perceber depois de umas tantas audições, mas acho que até hoje não mencionei aqui: há grandes, grandes, grandes momentos nesse novo álbum de EC, nesse "Rock'n'Roll".

p.s. 2: O uso repetitivo do termo "grande" neste texto não é mera coincidência, nem bobice ou desleixo. Como cantou o gigante em pessoa, no momento mais novo e emocionante do show, "você não vê porque não quer/ a guitarra é uma mulher."

sexta-feira, outubro 23, 2009

red label ou ice? (*)

Então, eis-me de volta do Pará, ainda nutrido de rio, frutas, peixes, tacacá, floresta, sorvete e tecnomelody.

Só pra esquentar os tamborins, porque eu tinha prometido avisar aqui no blog: este seu criado se encontra nas bancas, em três versões diferentes.

Na "Cult" 140, está a coluna "As novas donas do pedaço", continuação e conclusão daquela história do texto As bruxas, elas existem ou não?

Na "Rolling Stone" 37, há um perfil de Seu Jorge e uma resenha do (ótimo) disco "Beijo Bandido", novo do Ney Matogrosso.

No número 1 da "Billboard Brasil", escrevo a reportagem de capa, sobre adivinha quem?, "o número 1", Roberto Carlos. Não podia contar aqui, mas andei pelos bastidores do show dos 50 anos, e conto lá um pouco do que vi. Pessoal tem elogiado o box "O rei e eu", que, modéstia à parte, é meu favorito também.

Ah, e tem também um perfil do escritor Santiago Nazarian, que escrevi para a "Revista Gol" - mas essa acho que não vai para as bancas (ou estou enganado?), só circula dentro de avião.

Mais tarde, aos poucos, como de costume, vamos colocando (e debatendo, se vocês assim quiserem) os textos por aqui.

E daqui a pouco vem mais coisa...

(*) Título inspirado no sensacional hit tecnobrega ouvido a cada esquina de rua, a cada curva de rio e a cada clareira de floresta do Pará, aquele que diz assim, "gatinha, do que você gosta mais,/ de red label ou ice?/ pra mim tanto faz/ red lable ou ice". Adoooro.

quinta-feira, outubro 08, 2009

ô siriê

Este blog anda meio parado, eu sei.

Andava em contagem regressiva rumo aos dias de descanso que começam hoje. Estou indo para o Pará, terra de Fafá, de Pinduca e do tecnobrega. E do Círio de Nazaré, que acontece neste fim-de-semana em Belém.

Eba!

Darei minhas passadinhas por aqui, como de praxe, especialmente se encontrar, er, notícias pelo caminho. Vocês me contam as novidades também?

Ê! Siriê! Até a (breve) volta!

sexta-feira, outubro 02, 2009

Mussum forévis

Bem, que o Brasil iria parar no topo dos "tópicos da moda" de hoje no Twitter era barbada, depois dos últimos acontecimentos político-esportivos.

Gostoso e divertido é ver como é que se explica o "yes we créu" que ribomba planeta afora (a agora) via Twitter, olha só a tradução simultânea no site What the Trend?:


Why is Yes We Créu popular right now?

Brazilian twitter-ers creation, It's a pun with Barack Obama slogan "Yes, we can"



and brazilian 'funk carioca' performer MC Créu music.



It's like "Yes we nailed it", but in a sexual, fun way.

Referring to Rio de Janeiro being chosen as the host of the 2016 Olympics.


A babel já começou, e você pode até não gostar, mas Brasil, hoje, é MC Créu, Lula, Pelé, Mussum, morenas do tchan, ministro preto do esporte, Paulo Coelho, pré-sal, Zelaya e Copacabana. Eu tô achando bem legal, viu?